terça-feira, 19 de outubro de 2010

eu-isso, eu-tu


















Considero uma árvore.

Posso vê-la como um quadro: coluna rija num choque de luz, ou mancha de verde chama contra o delicado azul prateado ao fundo.

Posso percebê-la como movimento: garras de veios fluentes, sugar de raízes, respirar de folhas, comércio incessante com a terra e com o ar – e o obscuro crescimento em si. Posso classificá-la numa espécie e estudá-la como um tipo em sua estrutura e modo de vida.


Posso subjugar sua real presença e forma tão rigorosamente que eu nela reconheça apenas a expressão da lei – de leis de acordo com as quais uma constante oposição de forças é continuamente ajustada, ou de outras de acordo com as quais as substâncias componentes se misturam e se separam.

Posso dissipá-la e perpetuá-la em número, em pura relação numérica. Em tudo isso permanece a árvore como meu objeto, ocupa espaço e tempo, e possui sua natureza e constituição. É possível, contudo, também acontecer, se eu for dotado de graça e vontade na mesma proporção, que ao considerar a árvore me veja envolvido numa relação. A árvore já não é mais Isso. Fui capturado pelo poder da exclusividade.





Para efetivá-lo não é necessário que eu renuncie a quaisquer das maneiras pelas quais considero a árvore. Nada há de que necessite desviar o olhar a fim de ver, nenhum conhecimento que tenha de esquecer. Ao contrário, tudo é imagem e movimento, espécie e tipo, lei e número, indivisivelmente unificado nesse evento.

Tudo o que pertence à árvore está nisso: sua forma e estrutura, suas cores e composição química, seu intercâmbio com os elementos e com as estrelas, estão todos presentes num todo único. A árvore não é uma fantasia, nem um jogo da minha imaginação, nem um valor dependente do meu humor; mas é corporificada em contraposição a mim e tem a ver comigo, como eu com ela – apenas de um modo diferente. Que nenhuma tentativa se faça para debilitar a força do significado da relação: a relação é mútua.





A árvore teria uma consciência, então, similar à nossa? Disso não tenho experiência. Mas você desejaria, por parecer ser capaz de fazê-lo consigo mesmo, uma vez mais desintegrar o que não pode ser desintegrado? Eu não encontro nem a alma nem a dríade da árvore, mas a árvore mesma.






(Martin Buber)

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